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sexta-feira, 24 de junho de 2011

VÍCIO REPUBLICANO

Diz-se que no Império houve Parlamentarismo. Talvez fosse possível a referência a um Parlamentarismo caboclo, pois o Ministério não dependia do Parlamento. Os ministros eram de livre nomeação e demissão do imperador, merecessem ou não a confiança das câmaras. Mas na época imperial existia um freio moralizante: membro do Congresso, deputado ou senador, que aceitasse o cargo de ministro, perdia o mandato, e a circunstância o exonerava de, como parlamentar, de submeter-se a ordens monárquicas e cumpri-las, retirando-se-lhe a independência de membro do Poder Legislativo.

Não se ignora que Locke inspirou Montesquieu e este expôs em obra célebre a separação dos três poderes do Governo. Tal modelo guiou os convencionais de Filadélfia, que votaram a carta constitucional dos Estados Unidos, em que os entendidos encontram erradamente a base do sistema presidencialista.

Atribuem os desavisados a Rui Barbosa a Constituição brasileira de 1891. Nunca. Ela foi orientada e comandada pelos positivistas, advogados de Governo ditatorial, como sucedeu. Promulgou-se a hipertrofia do Poder Executivo - e desta hipertrofia, na República Velha, na República Getuliana, na República pós-Getúlio, na República Militar de 1964 e na atual desgastada e surrada República Nova, resultaram e continuam resultando abusos e intranqüilidade. Os positivistas, que talvez nunca tenham lido a Constituição dos Estados Unidos, ou porque, de propósito, recusassem os seus princípios, fizeram do chamado presidencialismo no Brasil uma ditadura forte e sem contraste, um vício republicano. Na América do Norte distribuiu-se a competência dos poderes e garantiram-se o equilíbrio e a coordenação entre as suas prerrogativas pela teoria dos pesos e contrapesos. Existe mútua fiscalização: um poder serve de freio e controle ao outro. Vigora em Tio Sam um Governo congressional, com supremacia do Senado. Nem a Corte Suprema escapa ao Congresso. Recorde-se o fato de que Wilson assinou o tratado de paz de 1918 em que se criou a Liga das Nações, por proposta do próprio presidente. O Congresso desaprovou a participação do País nesse organismo internacional - e Wilson viu-se derrotado. A nomeação dos secretários (ministros) pelo presidente da República, na terra de Roosevelt, depende de homologação do Senado. Recentemente, no Brasil, mais uma vez, parlamentares passaram a ministros, sem que perdessem o mandato, e mais uma vez se invadiu o outro poder. No caso os partidos políticos e o Congresso mais se submetem ao mandonismo presidencial, ferindo-se a independência dos poderes e os fundamentos cívicos das agremiações políticas.

Existe velho e rancento vício republicano sempre em voga: os privilégios ditatoriais do presidente da República, com a solidariedade do Poder Legislativo.


A. Tito Filho, 28/10/1987, Jornal O Dia

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