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quarta-feira, 20 de abril de 2011

O SEXO MUITO FRÁGIL

Existem no Brasil dezenas de entidades em defesa dos negros, sem que se registre uma só para trabalhar em favor dos brancos. Jamais se viu sociedade contra discriminação de branco, mas sempre contra a discriminação do negro. A lei Afonso Arinos pune os que discriminam a negritude, e nenhuma referência a faz à branquitude.

Assim se dá também as mulheres: há grêmios sem fim de amparo aos direitos femininos e protetores dos rabos-de-saia contra a violência do macho. A gente não encontra, porém, sociedade para lutar pelo respeito aos direitos dos varões e para protegê-los das armas mulheris.

Parece até que as filhinhas da primeira tipa bíblica são sempre calmas, tranqüilas, não azunham, nem futucam a onça com vara curta. Desconhecem palavrão. Jamais botam chifres nos gajos do casamento ou da amigação na igreja verde da cidade maranhense de Timon.

Tenho cá exemplos que as contradizem. No Rio de Janeiro, por volta de 1942-1943, o pobre advogado Stélio Galvão morreu, no momento em que, sentado na cama do casal, arrecadou balaços do revólver da mulher ciumenta. Um filho do marechal Mascarenhas de Morais, numa rua da Tijuca, da antiga capital do Brasil, caiu morto. Matou-o a esposa, desprezada por outra de melhores carnes. Quem não se lembra da fera da Penha? Repudiada pelo amante, conduziu os filhos deste a lugar apropriado e os queimou, sem piedade. Duas irmãs mineiras arrancaram a vida do marido de uma delas, de quem o homem se separou em busca de gente mais apetitosa. A diabólica Ângela Diniz, casada com homem de bem, pôs chifre no infeliz, insensível aos deveres de esposa e mãe, e depois se entregou a uma existência de dissipação e sexo, responsável pelo assassinato de dois pobres diabos e pela dissolução de lares, até que encontrou o Doca Street que lhe meteu balas no corpo nu e devasso em Búzios, após o espetáculo feio de se oferecer como sapatão a uma alemãzinha esperta. Que dizer de Marilda, em São Paulo? Insaciável, aos quarenta de idade, arrumou amante de vinte, e com ele acertou a morte do marido. Esqueceu três filhos. Conseguiu tirar o esposo do caminho com balas e dezessete facadas - ao cabo de contas denunciada por um dos rebentos escandalizado da mãe desnaturada que o deu à luz. A verdade é que más fadas há lá e cá. Machos e fêmeas perversos existem na sociedade idiota do mundo-cão - e seria acertado que os dois lados passassem e medissem os tristes e vergonhosos crimes praticados e se recolhessem cada qual à humildade da contingência humana - tanto o homem como mulher, sujeitos a desequilíbrios neuróticos e psicológicos.


A. Tito Filho, 02/12/1987, Jornal O Dia

quinta-feira, 14 de abril de 2011

CLÓVIS E AMÉLIA

Clóvis Bevilaqua nasceu no Ceará. Esteve em Teresina como secretário do Governo do Piauí no começo da República. Casou-se com Amélia, filha de José Manuel de Freitas, pai e filha nascidos em Jerumenha, cidade piauiense. Clóvis adquiriu fama internacional de jurista, e ele muita a mereceu. Conheci-o no Rio de Janeiro em 1942. Tempos de bonde, o bonde de viagem monótona mas gostosa, e da pensão onde tinha minha residência à casa do jurista havia longo percurso de trilhos. Amélia escrevia bem. Fazia romance, crônicas e jornalismo.

O casal famoso, Clóvis e Amélia, gostava de receber amigos aos domingos, para o jantar. Uma vez Bugyja Britto, que parecia convidado permanente, convidou-me a fazer-lhe companhia e fui, assim, conhecer o grande jurisconsulto e esposa. Na visita obtive apetitosa refeição, em momento justo, pois hospedaria de estudante, dia de domingo, só dava almoço tipo ajantarado. Das seis da tarde por diante a quebradeira só permitia forrar o bucho com magra xícara de café com leite e um pãozinho lambusado de raríssima manteiga. A mesa de Clóvis tinha fartura e a bóia sabia bem. Enchi a pança, embora meu desejo principal fosse conhecer o mito Clóvis. Havia ele entrado na casa dos oitenta. Sempre numa cadeira de balanço, vestido de fraque. Não exonerava do traje a gravata. De encantadora simplicidade. Conversei com ele alguns instantes, acanhado, a modo de matuto que eu era. Lembrou-se o mestre de me dizer que dedicava muita simpatia ao Piauí, terra de sua mulher. Contou-me que trabalhou em Teresina, ao lado do primeiro governador republicano Taumaturgo de Azevedo.

Amélia, surda como diabo, conversava com um e com outro, em português, francês, inglês, de acordo com as exigências do visitante. A casa semelhava museu, bazar e jardim zoológico, ao mesmo tempo. Retrato de pessoas feias e bonitas pelas paredes, peças e mais peças de esculturas reboladas pelos cantos, bustos, jarros, baús, tapetes, santos. Bichos vivos, Gatos, cães, curicas, papagaios, chicos-pretos, corrupiões. Algazarra muita, inclusive dos interlocutores de Amélia gritando para que ela pudesse ouvir.

Clóvis morreu em 1944, manhãzinha. Amélia fez a viagem derradeira depois. Outras vezes engoli a boa e apetitosa chepa do casal. E nunca esqueci a hospitalidade dos dois bons velhinhos, o jurista e a romancista - e agora, neste 1987, revejo Amélia ao procurar dados seguros para preparar-lhe a biografia.

A. Tito Filho, 01/12/1987, Jornal O Dia  

terça-feira, 12 de abril de 2011

POBRE LÍNGUA PORTUGUESA

Parabéns a Cineas Santos pela coragem em debater questões de língua portuguesa, num instante em que a língua de Camões, Vieira, Machado de Assis não vale dez mil réis de mel coado. A novela televisada e a a revista de quadrinhos transmitem a deturpação permanente do poderoso instrumento que poucos sabem utilizar. Pelas tevês e publicações não existe diferença entre tu e você, e esses pronomes aparecem nos diálogos das peças que Sófocles nunca pensou em escrever ou de Tarzan com celebrada Jane dos filmes respectivos, reproduzidos nas revistas norte-americanizadas. Essa fala do tu e você ao mesmo tempo, quando duas pessoas conversam vigora por esta total república de espertezas sem conta. Exporta-a o Rio de Janeiro e os pobres Estados arremedam instante a instante a deformação expressional. Tal maneira de comunicar e receber notícias e idéias invadiu as escolas, os clubes, o soçaite, o recinto dos lares - e o estropiamento grosseiro sai da boca de rapazes, mocinhas, senhoras jovens e matronas respeitáveis, sobretudo na alta-roda de estroinices e superfluidades.

A linguagem da mocidade de hoje engravidou-se de expressões plebéias, pois os moços vivem abandonados das instituições sociais. As mães, fonte de afeto, espairecem nas praias, de fio-dental os colégios são decepcionantes. Pelos cantos e recantos da vida, a desvirtude - e os jovens protestam, como se estivessem a gritar por socorro, que pedem e exigem os caminhos da tranqüilidade, e rebelam-se contra o desprezo da sociedade e passam a hostilizá-la, e hostilizam-na no pai, no mestre, no lar, nas leis, e hostilizam a inteligência, a pátria, como se estivessem a mostrar que a vida não deve ser séria, nem digna, deve ser uma pilhéria, um deboche, uma pândega.

Como curar a degenerescência social? Com a volta aos princípios que não se anulam, com bons exemplos para os moços, as maiores vítimas da desordem espiritual dos nossos tempos, a desordem provocada pela poderosa civilização industrial. Dom Bosco foi sábio: mudar o que não presta, conservar o que é bom.

Por agora, cumpre salvar a pobre língua portuguesa.

A. Tito Filho, 01/02/03/Novembro/1987, Jornal O Dia

segunda-feira, 11 de abril de 2011

AS LIÇÕES DO PASTOR

Ano de 1956. Teresina vive constantes e graves problemas humanos e urbanísticos, sem esgotos, sem asfalto, água canalizada e energia elétrica escassas, mendicância generalizada, modesta rede hospitalar, moradias subumanas nos bairros sem transporte, infância desvalida, desnutrição, fisionomias envelhecidas pela fome. Pauperismo no Piauí todo, excetuada pequena parcela de povo. Subemprego e desemprego.

Pálida assistência aos abandonados começou no governo Leônidas Melo, na capital. Pouco se cuidava das tarefas assistenciais, exceto as de caráter paternalista, de esmola em dinheiro, sopas dos pobres, roupas velhas.

Existem ainda aspectos desafiadores, mas de vez em quando surgem espíritos fortes que os enfrentam e plantam as sementes de uma sociedade mais justa, para participação de todos nos bens primários da vida, como pregava João XXIII.

*   *   *

Junho de 1956, Teresina acolhia novo arcebispo, vindo do Bispado de Petrolina, em Pernambuco, - Dom Avelar Brandão Vilela, alagoano de nascimento. No ano anterior havia morrido Dom Severino Vieira de Melo, pastor rigoroso, intransigente nas decisões e na defesa dos princípios morais a que os piauienses deveriam guardar obediência. Tão severo que recusou participação nas festas do 1º Centenário de Teresina porque do programa constava a exibição da artista Elvira Pagã, projetada pela nudez em público. Os mentores dos festejos recuaram e desistiram de contratá-la.

*   *   *

Taderzinha, Dom Avelar mereceu homenagem dos teresinenses, em calorosa recepção. Orador de extraordinários recursos, o arcebispo disse que vinha pregar o Evangelho, cuidar das almas, confortá-las, mas pretendia humanizar a vida, assumindo as responsabilidades de dar assistência aos que desta necessitassem.

Aceitou os desafios. Lutou com os instrumentos da inteligência, da coragem e da fé. Instituiu a Faculdade Católica de Filosofia, para melhorar o magistério do ensino secundário, - obra educacional significativa; promoveu o 1º Congresso Eucarístico do Piauí, definindo diretrizes para o homem cristão; fundou a Rádio Pioneira, instrumento de comunicação permanente da Arquidiocese com a coletividade.

Não esqueceu a promessa de humanizar - e surgiu a Ação Social Arquidiocesana (ASA) - que se projetou nos bairros pobres e sofredores, por intermédio de centros de trabalho coletivo, de clubes de mães, de núcleos profissionalizantes. Os exemplos do pastor frutificaram: o governo dava os primeiros passos sérios na ajuda social aos desvalidos.

Indiferente aos resmungos e aos insultos de interesseiros sem entranhas, advogou a propriedade da terra para os que nela trabalham e labutam.

Combateu o bom combate. Consciências adormecidas pela rotina despertaram. Paciente, calmo, Dom Avelar distribuiu conselhos úteis e gestos de bondade. Suavizou padecimentos.

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Em maio de 1.971, depois de quase quinze anos a serviço do Criador e da sua criatura, o Pastor amigo e sincero se despediu do Piauí, para o cardinalato na Bahia.

A Casa de Lucídio Freitas, que ele dignifica, junto ao Clero, lhe prestou as homenagens do agradecimento e da saudade, na palavra do presidente da instituição, relembrando as lições do Pastor verdadeiro. No agradecimento, afirmou o novo cardeal, que, ainda distante, na sede do seu novo pastoreio, continuava, anos fora, solidário com os piauienses, nos instantes felizes como na hora dos sacrifícios.

Nos 50 anos de sacerdócio de Dom Avelar, que se comemoram com entusiasmo, a Academia Piauiense de Letras relembra as lutas do seu titular ilustre, em benefício da dignidade do homem piauiense.

A. Tito Filho, 08/12/1985, Jornal O Dia