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segunda-feira, 20 de junho de 2011

GENTE CORAJOSA

Padre Joaquim Chaves escreveu que em 1875 só existia uma livraria em Teresina - a Livraria Econômica, na rua Paissandu, que vendia gravatas, leques, botinas, chapéus, lãs, chitas, vinhos, doces, biscoitos, queijos, inclusive livros, papel, pastas e objetos de fantasia. Assenta o bom historiador da cidade que nesse tempo as lojas eram verdadeiros bazares, de sortimento variadíssimo. No ano de 1917, quando se criou na Chapada do Corisco o jogo do bicho e se fundou a Academia Piauiense de Letras, vendiam livros quatro firmas: A. Carvalho e Companhia, Gomes Ferreira, João de Castro Lima, Leocádio Santos Irmão e Companhia. No estabelecimento de João de Castro Lima, que o povo chamava de Juca Feitosa, comprei, aos dez anos de idade, exemplares de Pinheiro Chagas, Camilo Castelo Branco, Bernardo Guimarães, Joaquim Manoel de Macedo, Alencar e outros, brochuras empoeiradas, que se atiravam a velhas prateleiras de uma sala mal iluminada, escondida por trás do salão de vendas. Livro era objeto de categoria inferior, adquirido por gente sem que fazeres, desocupada, segundo se comentava. Na década de 30, M. A. Tote tinha loja na rua Coelho Rodrigues com venda de revistas do Rio de Janeiro, frequentadíssima. Vendiam-se também a coleção Terramarear, de muito agrado, narrativas de aventuras em terras misteriosas, as peripécias do Tarzan na selva africana, romances policiais de Edgar Wallace e a ficção científica de Julio Verne. Bons tempos, leitura proveitosa, suculenta, alimento de inteligência. Deixei Teresina para estudos noutras paisagens. Percorri novas pátrias, como a cearense e a carioca. Um dia regressei aos penates, à casa paterna, à terrinha onde a própria dor dói menos, como assentou o Juca Mulato.

Mais livreiros abnegados, corajosos, foram surgindo na cidade raquítica de leires, em que, ainda hoje, o empresário derrama pelo gogó escocês legitimo de custo acima do salário mínimo, mas se recusa a comprar um livro de autor piauiense. Surgiram o aplaudido Nilo Marinho, de dedicação exclusiva a esse mister cívico de distribuir idéias; o inteligente Nobre, descrente do poder público, perseverante, sincero, muito sortido de obras célebres e populares; o inquieto Cineas Santos, estudioso da vida e do homem que nela se agita, principalmente o teresinense; o incansável Pacheco, teimoso na arte de vender, solicito, rabo na rapadura de propagador de coleções ricas e úteis desde moço. Quem mais? Perdão pelas falhas de memória a respeito de gente do passado e do presente. Ao correr da pena, na pressa jornalística que atormenta, não se pode demorar à cata de registros da história dos livreiros de Teresina. Este rascunho tem o objetivo cujo gesto Clidenor Freitas Santos elogiou, o de dotar a cidade com elegante livraria, edifício de três pavimentos - Gilberto Mendes Farias, a quem, numa manhã de justiça, a Academia Piauiense de Letras fez louvação, estendendo a todos os que dedicaram aos teresinenses o carinho e a nobreza do trabalho pelo desenvolvimento intelectual da cidade.


A. Tito Filho, 28/11/1987, Jornal O Dia

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