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quarta-feira, 22 de junho de 2011

EVOLUÇÃO

A rua Paissandu era, até bem pouco tempo, o nome de batismo da zona do meretrício, embora esta ocupasse pequeno trecho da citada via pública. Bom recordar um pouco. À beira do Parnaíba mariposas exploravam embarcadiços de gaiolas, lanchas e barcas. Nesses descaminhos antigos existiam alguns famosos cabarés também ditos pensões: o da Raimundinha Leite, o da cabloca Gerusa e o da Rosa Banco. Todos tinham orquestras e muito se dançava com as horizontais. Havia movimentado serviço de bebidas. As raparigas, no mau sentido, recebiam os fregueses em quartos bem arrumados, de cama e penteadeira. Depois do ato, o pagamento. Os quebrados enrolavam, passavam chumbo e tomavam descompostura. As mariposas residiam no próprio cabaré e aí tinham as refeições. Pagavam diária à cafetina dona do açougue. Algumas possuíam amigação, ou seja, o macho do amor exclusivo. No carnaval as meninas se fantasiavam ricamente e participavam do corso, ou desfile de veículos pelas vias públicas previamente indicadas. Os caminhões das garotas eram os mais bonitos e mais aplaudidos. Nos cabarés teresinenses misturavam-se estudantes, comerciários, professores, magistrados, servidores públicos, comerciantes, militares, pobres e ricos, todos nivelados na busca do sexo. Chegaria a fase da buate, a partir da década de 60 - inferninhos de luz muito fraca, uma semi-escuridão, em que casaizinhos pintavam o sete em matéria de primícias e até de últimas considerações entre os dois bens escondidos na quase trevosa sala. Recorde-se que a zona da Paissandu oferecia inúmeros freges, botecos e restaurantes de panelada. Teve começo a decadência. Fecharam-se os notáveis bordéis dos velhos dias. Mulheres feias, desgrenhadas, começaram a habitar os cabarés já agora sem conforto e sem higiene. Garotas bonitas do Ceará e do Maranhão deixaram de fazer a vida em Teresina. As mulheres já não conseguiram pagamento e trocavam o sexo por uma refeição madrugadina. O cabaré desapareceu da paisagem. Chegou a vez da buate (buate com U mesmo, meu caro revisor). Também o rendez-vous que enfeitou a vida teresinense - o rendez-vous que mais acolhia homens e mulheres, gente de outros parceiros, fazendo adultério. Chegaria a vez do motel, mas a estória do motel é outra estória, como a ressurreição da camisinha e a espantosa ameaça da AIDS.


A. Tito Filho, 19/11/1987, Jornal O Dia

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