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sábado, 25 de junho de 2011

BOA E MÁ IMITAÇÃO

Macaquismo deve corresponder ao hábito de macaquear, ou arremedar da maneira que faz o macaco, imitar de modo ridículo. O brasileiro gosta de copiar o pessoal dos Estados Unidos da América do Norte. Macaqueia em tudo: no copo de uísque, nos concursos de misses, nos prêmios de estatuetas, em muitas modalidades esportivas, no hambúrguer, no cheeseburger - em tanta cousa a imitação que a gente pensa que Nova Iorque fica no Brasil. Até o hot dog, ou cachorro-quente se come em qualquer casinha do território piauiense de minha amada Nossa Senhora dos Remédios. Só que nas imensidades do Piauí cachorro-quente não se faz de salsichas, mas picadinho de carne cozida, diferente do restante da pátria idolatrada.

Como se entende, os patrícios não da pátria idolatrada.

Como se entende, os patrícios não apenas imitam os nascidos nos States, mas copiam mal o processo civilizatório dos estadunidenses, e desprezam o que eles têm de bom, de lógico, de racional, de justo. Por exemplo: não existem muros entre as casas, lá. Fazem-se linhas divisórias brancas no chão, ou filas de arbustos baixos indicam os limites de cada residência. No Brasil, constroem-se em redor dos prédios de moradia paredes fortes e altas dotadas de portões de aço.

Faz muito tempo, Antônio Bento, no Rio, discutiu com a amante, no apartamento, e no calor das ofensas mútuas deu pancada na mulher, utilizando objeto de aferrolhar portas. A vítima gritava por socorro. Receoso de atrair atenções, Bento ganhou a rua. Quando voltou a mulher estava morta. Procurou logo o fogoso homem esconder o crime. Arranjou petrechos (petrecho mesmo, caro revisor), serrou os membros do cadáver, arrumou os pedaços num baú e enterrou a carga, de madrugada, no quintal de amigo. Descobriu-se o crime e a imprensa completou o quadro publicando manchetes sensacionalistas, - o réu não passava de bárbaro e cruel. Em vez da informação pura e simples dos fatos, os jornalistas adotaram severa posição contra o réu confesso do crime que ele não queria cometer. O júri foi implacável: anos de cadeia para o criminoso - embora este não praticasse gesto desumano e torpe, pois, sem ódio, apenas serrou um corpo sem vida, com a intenção de conservar o bem da liberdade.

Nos Estados Unidos, o médico Sheppard foi condenado a prisão perpétua por haver assassinado a esposa grávida, crime que ele sempre negou. A imprensa, porém, não o poupava em comentários violentos. A Suprema Corte rejeitou a condenação do médico, sob o fundamento de que a publicidade da imprensa imbuiu a comunidade e o júri de preconceitos contra Sheppard, que aguardou solto novo julgamento. Os tribunais devem proteger os acusados contra a publicidade prejudicial. Não se devem acolher juízos apressados das entidades policiais. Medite-se na circunstância de que sempre seja mais correto um criminoso fora da prisão do que um inocente privado de um bem luminoso como a liberdade.

Os autores do impiedoso massacre do jornalista Helder, segundo a Polícia, foram soltos por ordem da Justiça, uma vez que nada contra eles se demonstrou como verdadeiro. Carregarão, porém, pelo resto da vida o fardo pesado da acusação do assassinato - embora a opinião pública se mostrasse incrédula dos resultados do inquérito dos detetives oficiais.


A. Tito Filho, 25/12/1987, Jornal O Dia

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