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quinta-feira, 23 de junho de 2011

MALANDRAGEM NACIONAL

O índio era colhedor. Para comer, matava o animal, ou apanhava o fruto da árvore. Não criava, não plantava. O colonizador português representava a fina flor dos homens sem caráter, condenados, remetidos ao Brasil pelo governo e que aqui buscava a riqueza fácil. Desafeitos ao trabalho, os novos donos da terra trouxeram o negro africano e a este atribuíram as tarefas agrícolas. Depois de alguns anos, entupidos de cruzados, voltavam ao reino, deixando na colônia a filharada do cruzamento com as mulheres indígenas ou com as pretas da Guiné, safadeza que os padres censuraram, embora também cruzassem.

Mafrense ganhou de mão beijada sesmarias, léguas e léguas de terras no Piauí, em que penetrou com as reses da Casa dos Ávilas e fundou o império do gado, no sertão profundo, matou os selvagens, homens, crianças, fetos, regressou à Bahia, rico a mais não poder e, no leito de morte, encarregou os jesuítas da administração de suas 39 fazendas de pé-duro.

O carnaval brasileiro, herança do avô Portugal de bumbas, zabumbas e danças de zé-pereira e remelexos africanos, se realizava nos dias de 3ª feira, chamado entrudo. Depois também aos domingos, em seguida acrescentou-se a segunda-feira. Durante muito tempo havia o tríduo de Momo. Introduziu-se o sábado. Adiante, intrometeu-se a 6ª feira. Agora começa 5ª e prossegue até a 4ª de cinzas, ou mais, como em Olinda. A pândega acarreta prejuízos sem conta à família e à sociedade. Generaliza-se a descompostura nacional e a festa dos complexados contagia o país em todos os sentidos. A imbecilidade não tem fronteiras.

A última criação nacional está nos dias de ócio prolongados até 2ª feira.

O operário trabalhava desde que o sol nascia até de noite. As lojas antigamente recebiam fregueses depois das 20 horas. Mal se fechavam nos dias dominicais. Deu-se a luta pelas 8 horas diárias de trabalho, do começo ao fim da semana. Getúlio Vargas concedeu mais aos trabalhadores das empresas privadas a folga do sábado de tarde. Mas como pobre vive de teimoso, esse tipo de gente só goza feriadão quando acontece feriado nacional após o domingo. Nunca lhe dão ponto facultativo.

Funcionário público, não. A sua história começou ontem. Trabalhava de 2ª a sábado. Concedeu-se-lhe a semana inglesa. Ranieri Mazzili, numa de suas assunções presidenciais, decretou feriado administrativo o sábado. Se o servidor arrumava as gavetas na manhã da véspera do domingo, passou a arrumá-las na sexta-feira. Quem quiser audiência com barnabé ou alto titular, deve procurá-lo até o meio-dia da véspera das compridas folgas.

Neste outubro de 1987, houve feriado a 12 para operários e burocratas, a 19 para funcionários públicos do Piauí, a 26 para a mesma numerosa e distinta classe de todos os setores de governo e no próximo dia 2 de novembro ocorrerá mais um feriadão tipo ponto facultativo - novamente as rodoviárias conduzem resmas de tolos úteis para as viagens turísticas nas praias e nas feiras ou rotineiras cidades-mortas do interior brasileiro.

Viajar no aproveitamento de feriadões da status, rodilha na cabeça, espécie de turbante, sacola de mudas de roupa, sanduíche no percurso, cara alegre, a modo de quem está feliz e desapertado.

Não tem remédio a malandragem nacional.

Trabalho se reserva aos idiotas.


A. Tito Filho, 31/10/1987, Jornal O Dia

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