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sábado, 25 de junho de 2011

PRECONCEITO

Vigora no Brasil a generalizada crença de que faliu o ensino público. Examinemos o assunto nos seus fundamentos. Os incautos acreditam que entre os brasileiros não existe preconceito de cor, mas esse preconceito sempre se evidenciou, embora não assuma o aspecto de segregação como nos Estados Unidos. Entre nós a ojeriza do branco ao negro se verifica de modo velado, em muitos grupos sociais e na burguesia endinheirada. Recorde-se que a abolição no Brasil não acarretou os males que a mesma circunstancia impôs aos norte-americanos, pois lá o sul, milionário de latifúndios e de agricultura, passou a terra arrasada, extinguindo-se fortunas com a guerra civil. No país de Lincoln o processo econômico fez que o ódio fosse intenso ao escravo sulino, que apenas recebia casa e comida por conta do trabalho, enquanto o norte convocava o negro para a agricultura e a indústria, concedendo-lhe liberdade e salário. Demais de tudo, por causa da guerra, o sul empobreceu e o fausto e o luxo desapareceram das suas mansões suntuosas. Depois destas considerações, pergunta-se se o ensino público faliu neste Brasil doente e sem cura. Considere-se agora o acentuadíssimo preconceito social brasileiro. Nesta nação de golpes financeiros e militares, de eleições e peso de ouro, de banqueiros insaciáveis, de bodas, debutação, casamentos e batizados milionários nas camadas da burguesia ociosa, moça do colunismo social, seja na donzelice ou na virgindade, não se casa com moço pobre ou de cor. Sonha com o grau do doutor da família fina, descendente de barões e baronesas, e que passará a viver nas costas do sogro, até que taponas, depois da terra madrugadina, separe o casalzinho sem amor. Menina de alta-roda jamais se casaria com um balconista, e só aceitaria o preto que fosse baludo, cheio dos cobres, ou importante na árvore genealógica ou na política. No Brasil prevalece o preconceito social e todo o seu cortejo de fatuidades. Existem duas camadas distintas: a dos miseráveis e a endinheirada. Assim, com a explosão demográfica dos anos 40, os proletários buscaram os estabelecimentos do governo, e neles, sob a bandeira da democratização do ensino, se abrigaram em massa, na conformidade do crescimento populacional resultante do parimento de gente faminta. Surgiram por todos os lugares os cursos e colégios particulares, uma indústria de lucros fabulosos, em que se matriculam crianças e jovens burgueses, que podem pagar mensalidades opulentas. Ao ensino público se destinam os filhos da miséria ou dos miseráveis assalariados de funções públicas e particulares - os alunos que não se alimentam, as caboclinhas de cabelo pixaim, a gente miúda do outro Brasil, do Brasil doente, dividido entre pobres e ricos. Na escola pública a burguesia inexiste. Rico de dinheiro e de ignorância não se mistura com pobre da periferia ou da favela.


A. Tito Filho, 25/10/1987, Jornal O Dia

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