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sábado, 25 de junho de 2011

ANIMAIS

Recordo-me das velhas e saborosas crônicas de mestre João Ribeiro, o culto mestre da língua portuguesa. Numa delas disse que o povo sempre fez emprego dos nomes de animais para designar certos aspectos da vida. Alguns nomes de doenças provieram de bichos como o sapinho e o cobreiro. Ao muque se chama lagarto. Canalha provém de cão e porco é o tipo sujo, física e moralmente. Capricho dimana de cabra. De gato se fez gatuno e o cachorro entrou em música e disco do popular Soriano. Amacacado bem diz do sujeito moganguento, gaiato. Rato e ratazana estão por todos os cantos deste País de mordomias suculentas. Que dizer de águia, batismo de pessoa grande, sapiente, poderosa de inteligência? Burro figura o recém-formado em Direito, por exemplo. Diz-se cascavel da mãe perversa com os filhos. Tirou-se de cavalo o cavalado, bem provido que faz lembrar os amantes de Messalina, na Roma de outros séculos. A pomba e a rola enriquecem as produções literárias dos poetas, em que figuram como mensageiras da paz e de arrulhos de amor, sempre de ternura inigualável. Galo representa o macho, dono do galinheiro, onde impera, herói sem rival. Peixão quer dizer mulher tentadora, dessas, de piscina de clube elegante, pernas e coxas de fora, por trás o fio-dental. Ao cabo de contas essas denominações partem da sabedoria popular, força evidente no enriquecimento do vocabulário, pela analogia ou semelhança que os seres e os objetos têm entre si, uns em relação a outros tipos e circunstâncias na vida de cada um. Bofe, parte desprezível da rês, vale a mulher feia, rugenta e de banhas dependuradas, da mesma forma que bucho. E veado? Que parecença tem o arisco animalejo com o homossexual? Li certa vez, em Tenório de Albuquerque, que o mais completo defensor do homossexualismo na Alemanha tem o nome de Hirschefeld - e hirsch quer dizer veado em alemão. Assim o povo, mais sabido do que muita gente, utiliza-se de denominações específicas e as estende a outras por analogia. A gíria vigora como dos fenômenos mais antigos da língua e nasce da inigualável sabedoria das gentes. Vaca, no conceito popular, diz da mulher que aceita qualquer homem. Galinha é a namoradeira, que tem um homem em cada esquina, mulher fácil. Potranca corresponde à tipa bem carnuda, traseiros fornidos, carne de sobejo, justamente a que deixa o sujeito de água na boca. Em décadas passadas gato era a concubina, a cabocla teúda e manteúda de um gajo só. Hoje gato vale jovem bonito, reclamado pelas garotas. Gata, do mesmo jeito, se chama mulher bonitona, manjada. Pantera, que invadiu o colunismo, figura como a elegantíssima, arrecadadora de todos os olhares, ricona de charme à custa de várias operações plásticas e variado sortimento interno de chumaços ou silicone. Piranha arranca tudo do indivíduo, como a Vamp, dos norte-americanos. Pantera foi a célebre Angela Diniz, fofa de juízo, com um triste fim numa tarde que morria com ela...


A. Tito Filho, 25/11/1987, Jornal O Dia

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