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domingo, 19 de junho de 2011

CELSO CENTENARIAMENTE

A 24 de novembro de 1877 nasceu, na pacata vila piauiense de Barras, Celso Pinheiro, que agora, vivo estivesse, festejaria o seu primeiro centenário de nascimento. Foi jornalista desde os tempos de estudante, poeta na mocidade sonhadora. Era filho do terceiro casamento de João José Pinheiro, também pai, em núpcias anteriores, de João Pinheiro e Breno Pinheiro, fulgurantes beletristas do tempo passado.

A quase totalidade da obra de Celso Pinheiro permaneceu inédita. Ele organizou-a em vida, distribuindo-a por 18 títulos, dois volumes de prosa e o restante de lídima poesia. Nas concepções figuram os pais, os irmãos, os filhos, a esposa, as moças tuberculosas de Teresina, a babá da meninice, bem assim os sofrimentos íntimos do poeta, a religiosidade, a beleza dos crepúsculos, as mulheres, os intelectuais. Em "Coroa de Espinhos" encontram-se os últimos poemas, os de uma semana antes de sua morte. Deixou uns cinco volumes de assuntos políticos, inclusive sátiras, justamente os que assinalam uma época de formidáveis paixões do partidarismo piauiense, de 1945 até a morte do poeta, em 1950.

As concepções literárias procedem das neuroses e dos sofrimentos dos seus autores. Celso não se desgarraria da observação. Desde cedo sofreu física e espiritualmente. Milionário de angustias intimas, alucinado de dor, pleno dos martírios que a vida lhe impõe, constrói os versos científicos de que abarrota gavetas e armários caseiros. Ele mesmo conta a sua história sem remédio em cada poema que colhe da alma em pranto.

Augusto dos Anjos realizou Eu com pedaços do coração maltratado. Deflorou e engravidou Maria, de humilde condição social. A mãe do poeta, senhora de engenho, mandou surrar a menina, que morre da surra - ela e o rebento da barriga. Augusto sofreu consequências violentas desse drama doméstico e tornou-se melancólico. Contou a tragédia no seu livro de tantas edições, acima referido. José Lima do Rego, conterrâneo do poeta, disse que ele escondia uma mágoa secreta, um rancor contra a própria mãe.

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Em 1972, sustentei que Martins Napoleão, magnífico beletrista aceitava nos seus poemas a morte como processo de extermínio do sofrimento. Assim como Celso Pinheiro, foi Napoleão, no uso da palavra como conteúdo da poesia, como mensagem poética. Em Tomás Gonzaga, tudo se expressa nos adjetivos formoso, lindo. Duro é o adjetivo de Camões. Em Álvaro de Azevedo, pálido, lívio, frio. Napoleão se revela em essência pelo conceito: lágrima, pedra, sofrimento, amor, morte.

Celso Pinheiro consubstancia a angustia do homem martirizado pela crueldade da vida. Os versos revelam o seu verdadeiro psiquismo. Emoção a cada instante, e o vazio da alma, fazem dele um dos grandes poetas nacionais. A dor possessiva sublimou-o em comoventes criações poéticas - que não pertencem ao parnasianismo nem ao simbolismo, como disse Agripino Grieco. Penso que ele pretendeu, da forma que Horácio de Almeida sentiu em Augusto dos Anjos, ocultar o pensamento, num movimento de interpretar os profundos e martirizantes sentimentos íntimos e entregá-los ao mundo objetivo.


A. Tito Filho, 29/10/1987, Jornal O Dia

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