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sexta-feira, 24 de junho de 2011

SENSIBILIDADE POÉTICA

Quando fazemos humildes comentários em torno da tristíssima situação nacional, em que das instituições sociais, governo inclusive, desapareceu o sentimento de responsabilidade, alguns pensam que nos excedemos na censura e na crítica severa. Não estamos sós, todavia, de vez em quando, vozes de compostura cívica dirigem sermões aos peixes ou pregam no deserto de homens e idéias, da forma que Osvaldo Aranha disse no Brasil. Temos agora a companhia honrosa de Ferreira Gullar, maranhense de nome José Ribamar Ferreira, nascido no ano 30 - e parece que os intelectuais da ilha de São Luís não gostam do Ribamar, como Sarney, batizado José de Ribamar também. O poeta Gullar não faz poesia sem o cotidiano, a vida trivial, comum, como ele acentua em escritura para a imprensa. Condena o abominável sistema do capitalismo perverso, em que o amigo deixa de ser amigo para ser bandido, para trair o amigo.

As amizades - sustenta - os valores, e o afeto nada significam. Sufocam-se a poesia, a música, a pintura. Só interessa o dinheiro para dissipação. Os políticos para Gullar perderam a noção de patriotismo. Há no país estado de calamidade, fome, analfabetismo, doença. Pior: o rock, música importada, torna-se vergonha, invadiu o mercado e domina, faz 30 anos. O Carnaval passou a diversão de milionários no sambódromo do Rio de Janeiro. O esquema comercial - denuncia o poeta - matou sambistas e passistas. Fantasias existem acessíveis somente aos ricaços dos lucros fabulosos. O protesto vem em forma de poesia: "Façam a festa/ cantem dancem/ que eu faço o poema duro/ o poema-murro/ sujo/ como a miséria brasileira/ Estação Primeira de Mangueira, Salgueiro/ gente de Vila Isabel e Madureira/ todo/ façam.../ poema obsceno".

Desde 1960 denunciamos a civilização empacotada brasileira. A falência moral e espiritual da nação, hoje criminosamente apoiada sobre os interesses bem confessados de uma minoria de engravatados surripiadores de riqueza de um novo digno de sorte menos mesquinha.


A. Tito Filho, 24/10/1987, Jornal O Dia

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