Quer ler este texto em PDF?

terça-feira, 21 de junho de 2011

O REGIME DOS INGLESES

Nos dias de domingo costumo reler livros saudáveis, numa espécie de fuga à rotina. Muito rica de ensinamento a releitura que a gente faz de autores lidos vinte ou mais anos atrás, agora compreendidos na plenitude do que eles pretenderam. Em Dante, a denúncia da corrupção dos maus governos e a maldade do homem no século XIII. Camões, no poema célebre, põe na dependência do dinheiro a amizade, o amor e a virtude. A gente de vez em quando releia os conselhos que Cervantes oferece aos poderosos da terra. Shakespeare revela a violência nos seus aspectos brutais, mas no assassinato de Brutus, pois este queria a liberdade e ajudava o extermínio de um ditador. O aparatoso e o artificial sofreram o desdém permanente de Moliére. Na eternidade de Voltaire aprende-se a combater os privilégios. Byron quer uma sociedade socialista. As prostitutas tiveram a fraternal simpatia de Walt Whitman. E a ironia, o bom humor e o desencanto do muito citado e pouco lido Machado de Assis? Aprecio sempre novos contatos com esses homens de inteligência que enriqueceram a literatura dos povos com superior poder de observação e de interpretação da vida.

Neste último domingo de outubro, busquei as páginas de "Europa e Européus", do Padre Luciano Duarte, livro de muitas lições interessantes e oportunas a respeito de cenários humanos e belezas paisagísticas do Velho Continente. Visitou o sacerdote a Inglaterra e esclareceu que o país congraça o ferrenho tradicionalismo a uma visão dos problemas sociais no mundo de hoje, numa surpreendente situação social. Regime de liberdade. Inexistência de desempregados. Casas populares de bom gosto arquitetônico, de andar térreo e outro superior. Médicos pagos pelo governo. Tratamento sanitário e hospitalar gratuitos, bem assim dentário. Remédios de graça fornecidos pelos organismos oficiais.

Padre Luciano visitou a Europa de 1954 a 1957. Trinta anos passados a Inglaterra praticava, sem gritaria, a socialização dos bens da vida - e punha o rádio e a  televisão sob o controle do Estado, impedindo que esses poderosos instrumentos de publicidade estivessem a serviço de interesses egoísticos, de políticos ou grupos financeiros.

Como o governo inglês pode sustentar tantos benefícios, faz anos, incluindo o sistema educacional gratuito? Por via de um pesado regime de impostos, mas o peso - diz o bom do padre - recai sobre os ricos. A tabela dos tributos sobe gradativamente de conformidade com os lucros do cidadão. E a partir do lucro anual de cinco mil libras esterlinas, paga-se sobre o excedente nada menos de noventa e seis por cento. O inglês - escreve Luciano Duarte - "realiza no seu admirável país este regime social em que o Estado se empenha seriamente por uma melhor distribuição dos bens materiais, pára que haja realmente para todos as condições de existência e os bens da vida que Deus para todos criou, e não apenas para uma minoria privilegiada".

No Brasil, apenas os depauperados membros da classe média pagam Imposto de Renda, na fonte e no tempo fixado pelo ditatorial e sem contraste poder decisório do órgão dito competente. E ainda os pobretões se sujeitam ao pente-fino ameaçador. Rico ou de vencimentos bojudos - e ainda a constelação da esposa-secretária, da filha subsecretária - rico recebe devolução.

A pândega nacional começou em 1500, com os portugueses instituidores da raparigagem, do latifúndio e dos privilégios que o rei apoiava nas terras de Santa Cruz. Continua do mesmo jeito, e que ninguém mexa com gente importante.


A. Tito Filho, 30/10/1987, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário