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sexta-feira, 17 de junho de 2011

A ADORÁVEL DORA

O cavalo é dos mais nobres amigos do homem. Nos Estados Unidos, ao mesmo tempo do oeste selvagem, dos caubóis, do reino do gado, rude, dos homens que dependiam da faca e do revólver - tempo da violência, num mundo de libertação explosiva e do derivativo do jogo e das bebedeiras desenfreadas, como substituto da mulher difícil e rara, valia mais a vida do cavalo do que a do próprio homem.

Esse quadrúpede de grande inteligência goza de celebridade universal. Todos os povos lhe cantam as virtudes de resistência e dedicação ao dono, embora se diga cavalo do indivíduo grosseiro e se tomou cavalo como denominação de doença venérea. Cavalo está no jogo dos 25 bichos, de número 11, batiza peça do jogo de xadrez e significa cousa complicada quando na expressão cavalo de batalha.

No famoso D. Quixote, de Cervantes, o pobre fidalgo, criado por esse gênio espanhol, sai mundo afora em luta pelo amor, pela paz, e pela justiça, no lombo de um cavalo velho e escarnado, de nome Rocinante. Os homens envelhecidos gostam de brotos esbeltos, obedientes aos conselhos dos eqüinos - capim novo é que engorda cavalo velho.

Centenas de escritores põem o cavalo nas suas obras de prosa e poesia. Todas as literaturas o consagram em páginas da melhor significação. O nosso José de Alencar, em "O Gaúcho", revela a segura estima que o sul-riograndense dedica a esse quadrúpede de inigualável serventia do homem antes do transporte motorizado.

A lenda e a história enriquecem-se de tipos cavalares célebres, como o de Napoleão Bonaparte. No cavalo alado Pégaso, Belerofonte matou Quimera, espantoso animal, mistura de leão, dragão e cabra, a vomitar continuamente chamas.

Parece que foi o imperador Calígula que fez do cavalo Incitatus senador do Império Romano. E se tornou proverbial o cavalo de Tróia, enorme cavalo de madeira que os gregos, a conselho de Ulisses, ardilosamente construíram e encheram o bojo de soldados armados e mandaram-no de presente aos troianos.

Presente de grego passou a linguagem como ardil, falsidade.

Por mais que se relacionassem cavalos da história, da lenda, dos tempos heróicos, da vida, enfim, só se completaria a lista com os cavalos bonitos, ventas arfantes, crinas ao vento, no gozo da liberdade nas campinas sem fim, - e cada garanhão no Governo ditatorial das éguas esbeltas, no ciclo do cio - os cavalos garbosos que Dora Parentes sabe pintar, ao lado de mulheres sensíveis ao amor vital, - macho e fêmea na maravilhosa compreensão do desejo recíproco.

Dora nasceu num pedaço do Piauí, a progressista Piripiri, e agora veio do Rio, onde pinta mulheres e cavalos, amados amantes em paixão de fogo, para uma visita a amigos e à Academia Piauiense. Dias de convivência inesquecível com essa artista alegre, educada, culta, sem preconceitos, esbelta, sem imitadores na sua arte original de harmonizar a liberdade e o desejo sensual em dois seres representativos, como a mulher e o cavalo.


A. Tito Filho, 11/12/1987, Jornal O Dia

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