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sexta-feira, 6 de maio de 2011

DEFUNTA E RAINHA

Gosto de ler essas histórias velhas, antigas de séculos. Camões escreveu que ela era donzela, embora não fosse virgem, porque, no tempo do épico maravilhoso, donzela queria dizer mulher nova - e o autor de "Os Lusíadas" referia-se à bela Inês de Castro, cujas desventuras o padre Luciano Duarte conta com graça e leveza de estilo. Dom Pedro príncipe, por deliberação do rei seu pai, casou-se com uma princesa portuguesa, residente na Espanha, que trouxe, na comitiva da noiva, uma dama de companhia de extraordinária beleza, Inês de Castro, por quem o herdeiro se apaixonou. A esposa procurou apagar o fogo do marido, internando a bonita espanhola num convento. Tudo se passou em Coimbra. Dom Pedro manda cartas de amor a Inês e com esta quis casar-se quando ficou viúvo. Era no tempo das intrigas da corte e os nobres se opõem ao casório, com medo de que a Espanha volte a dominar Portugal. O amor principesco é forte demais. A nada cede, Inês mora na Quinta das Lágrimas e no banco de pedra, ao lado da fonte murmurante - conta o padre - o príncipe sempre diz palavras de amor à amada mulher. Jura-lhe fidelidade. Paixão à moda antiga. Mas os nobres do reino não suportam o romance e obtêm do rei licença para tirar Inês do caminho, por via de assassinato, para o que recebeu autorização. O padre Luciano escreve: "E, uma manhã, enquanto Dom Pedro estava longe, três nobres batem à porta de Dona Inês. Esta aparece rodeada de seus três filhos que choram. Os assassinos a conduzem ao jardim, onde a sacrificam". Isto se passou no século XIV, precisamente a 17 de janeiro de mil trezentos e cinqüenta e cinco. Dois anos depois do crime tenebroso, morreu o monarca e Dom Pedro subiu ao trono. Mandou apurar os fatos. Queria justiça.

Conseguiu prender dois dos assassinos, pois o outro fugiu para a Espanha. Abriu as costas de ambos - narra o padre - arrancou-lhes os corações, mordeu-os e atirou-os aos cães. Vingança de rei daquele tempo.

E mandou desenterrar Dona Inês, já toda ossos, assentou-se no trono de Sá de Coimbra, coroou-a a rainha de Portugal e obrigou a corte a beijar a mão do esqueleto. Defunta e soberana, como conta a crônica dos reis e príncipes. Inês de Castro tornou-se personagem de uns dos mais bonitos episódios de "Os Lusíadas" e tem sido assunto de peças teatrais e concepções poéticas sem conta. Já era mãe quando veio em comitiva como dama de companhia da mulher do seu futuro amado. Quantos episódios trágicos enriquecem a vida do homem - dos príncipes e dos humildes indivíduos, vítimas das ambições e ódios alheios e sobretudo da injustiça dos semelhantes. A posteridade, no episódio de Inês de Castro, designou Dom Pedro de o justiceiro, num batismo que a história consagrou.

Sempre que posso leio e releio a história comovente dessa espanhola sacrificada pelas injunções políticas e que teve forças para não repelir os sentimentos de devoção a um grande amor.


A. Tito Filho, 05/12/1987, Jornal O Dia

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