Gosto de ler essas histórias velhas, antigas de séculos. Camões escreveu que ela era donzela, embora não fosse virgem, porque, no tempo do épico maravilhoso, donzela queria dizer mulher nova - e o autor de "Os Lusíadas" referia-se à bela Inês de Castro, cujas desventuras o padre Luciano Duarte conta com graça e leveza de estilo. Dom Pedro príncipe, por deliberação do rei seu pai, casou-se com uma princesa portuguesa, residente na Espanha, que trouxe, na comitiva da noiva, uma dama de companhia de extraordinária beleza, Inês de Castro, por quem o herdeiro se apaixonou. A esposa procurou apagar o fogo do marido, internando a bonita espanhola num convento. Tudo se passou em Coimbra. Dom Pedro manda cartas de amor a Inês e com esta quis casar-se quando ficou viúvo. Era no tempo das intrigas da corte e os nobres se opõem ao casório, com medo de que a Espanha volte a dominar Portugal. O amor principesco é forte demais. A nada cede, Inês mora na Quinta das Lágrimas e no banco de pedra, ao lado da fonte murmurante - conta o padre - o príncipe sempre diz palavras de amor à amada mulher. Jura-lhe fidelidade. Paixão à moda antiga. Mas os nobres do reino não suportam o romance e obtêm do rei licença para tirar Inês do caminho, por via de assassinato, para o que recebeu autorização. O padre Luciano escreve: "E, uma manhã, enquanto Dom Pedro estava longe, três nobres batem à porta de Dona Inês. Esta aparece rodeada de seus três filhos que choram. Os assassinos a conduzem ao jardim, onde a sacrificam". Isto se passou no século XIV, precisamente a 17 de janeiro de mil trezentos e cinqüenta e cinco. Dois anos depois do crime tenebroso, morreu o monarca e Dom Pedro subiu ao trono. Mandou apurar os fatos. Queria justiça.
Conseguiu prender dois dos assassinos, pois o outro fugiu para a Espanha. Abriu as costas de ambos - narra o padre - arrancou-lhes os corações, mordeu-os e atirou-os aos cães. Vingança de rei daquele tempo.
E mandou desenterrar Dona Inês, já toda ossos, assentou-se no trono de Sá de Coimbra, coroou-a a rainha de Portugal e obrigou a corte a beijar a mão do esqueleto. Defunta e soberana, como conta a crônica dos reis e príncipes. Inês de Castro tornou-se personagem de uns dos mais bonitos episódios de "Os Lusíadas" e tem sido assunto de peças teatrais e concepções poéticas sem conta. Já era mãe quando veio em comitiva como dama de companhia da mulher do seu futuro amado. Quantos episódios trágicos enriquecem a vida do homem - dos príncipes e dos humildes indivíduos, vítimas das ambições e ódios alheios e sobretudo da injustiça dos semelhantes. A posteridade, no episódio de Inês de Castro, designou Dom Pedro de o justiceiro, num batismo que a história consagrou.
Sempre que posso leio e releio a história comovente dessa espanhola sacrificada pelas injunções políticas e que teve forças para não repelir os sentimentos de devoção a um grande amor.
A. Tito Filho, 05/12/1987, Jornal O Dia
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